Razões da CPI da Petrobrás
Outro indício de elevação dos preços é que o Goldman Sachs colocou a Petrobrás e a Vale entre as dez empresas mais viáveis do planeta. “A Petrobrás tem a seu favor o pré-sal, que a deixará bem posicionada entre as petrolíferas, quando vier o próximo ciclo de alta de preços”. Ela também foi considerada a quarta empresa mais admirada no mundo, subindo da 20º colocação, de acordo com pesquisa do Reputation Institute,
empresa privada de assessoria e pesquisa, com sede em Nova Iorque. A avaliação foi feita entre mais de 200 empresas do mundo. Foi considerada ainda a empresa mais ética do setor do petróleo e a mais viável. Com estes três títulos internacionais e o fato de ela ter colocado em produção Jubarte e Tupi, ela ficou imbatível no pré-sal, era preciso manchar esta reputação.
O que os partidos que quebraram o monopólio dela fizeram? Criaram a CPI. Tudo que sair na CPI é lucro para eles. A Petrobrás tem problemas? Provavelmente sim. A IBM, há dois anos, botou 30 pessoas na rua por corrupção. A Shell demitiu o presidente Omar Carneiro por ter feito falcatrua. Enfim, toda empresa tem problemas.
Mas, a CPI, achando ou não achando problemas, enfraquece a imagem da Petrobrás.
Enquanto no mundo a empresa ganha posição, no Brasil ela ganha uma CPI de um
Senado desmoralizado. Então isso preocupa e não é coincidência. Principalmente, em
período eleitoral, no qual todo mundo quer marcar posição, querendo sair na foto, querendo fazer sua campanha política. O foco da discussão saiu da retomada do petróleo pelo povo, seu legitimo dono, para a discussão de ter ou não ter CPI.
PETROBRÁS ENTRE AS 10 MAIS...
• Goldman Sachs distribui relatório que situa Vale e Petrobrás entre as 10 empresas mais viáveis do planeta.
• A Petrobrás tem a seu favor o pré-sal e será a mais bem posicionada entre as petrolíferas quando vier o próximo ciclo de alta de preços.
Fonte: Luciana Rodrigues – O Globo 7/05/2009.
Pré-sal explicitou a necessidade de mudanças no Marco Regulatório
Agora falaremos sobre como está ruim o marco regulatório brasileiro. Em 1988, aproveitando que estava sendo elaborada uma nova Constituição, democrática, participativa, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), junto com várias entidades comandadas por Barbosa Lima Sobrinho, um ícone da seriedade e do patriotismo, conseguiu elevar ao nível constitucional a Lei de 2004/53, que diz que o monopólio do petróleo é da União, portanto, do povo brasileiro. Nós colocamos uma salvaguarda no parágrafo 1º do artigo 77, que impedia que o Brasil colocasse o petróleo como garantia de dívida, para não pagar dívida com petróleo barato. O México fez isso e de 1998 a 2003 viu as suas reservas caírem de 50 bilhões para 12 bilhões de barris, queda de três quartos, não é? O governo Fernando Henrique mexeu nesta questão e fez uma emenda, a número 9, que retirou essa salvaguarda da Constituição brasileira. Tirou este parágrafo e colocou o outro que diz que a União poderá contratar empresas estatais ou privadas para as atividades de pesquisa e lavra, refinação, importação e exportação dos produtos e derivados básicos e transporte marítimo de petróleo bruto nacional ou de derivados básicos produzidos no país. Aí tem a primeira incoerência. Um monopólio sendo exercido por várias empresas, inclusive oligopólios.
Para regulamentar esta mudança era necessário fazer uma lei, que nós pensávamos que fosse uma lei complementar, para ficar mais qualificada a votação, mas ficou uma lei ordinária (literalmente, inclusive).
Então, criou-se Lei 9478/97, que é - os juristas não gostam que eu diga isto, mas como sou engenheiro eu posso falar - intrinsecamente ilegal. Por que ela é intrinsecamente ilegal? Porque ela tem imperativos que conflitam entre si e conflitam com a Constituição brasileira. Por exemplo, o artigo 3º diz: “Pertencem à União os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva”. O que é o território nacional? A parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental e zona econômica exclusiva. Em resumo, o que diz este artigo? Que as jazidas de petróleo pertencem à União, portanto, ao povo brasileiro. O artigo 4º da Lei repete o artigo 77 da Constituição e o artigo 21 diz que os direitos de exploração de produção de petróleo do território nacional, toda aquela definição de território nacional, pertencem à União.
Constituição Brasileira (1988)
Artigo 3° Lei 9478/97 - Lei do Petróleo
Art. 177 Constituem monopólio da União:
I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos
fluidos;
II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes
das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados
básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de
conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
§1º - o monopólio previsto neste artigo inclui os riscos e resultados decorrentes
das atividades nele mencionadas, sendo vedado a União ceder ou
conceder qualquer antecipação, em espécie ou em valor, na exploração
de jazidas de petróleo ou gás natural, ressalvado o disposto no art. 20, 1o.
Emenda Constitucional nº 9: substituiu o § acima por um novo: §1º - A União
poderá contratar as atividades acima com empresas estatais ou privadas
Pertencem à União os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos
fluidos existentes no território nacional, nele compreendidos a parte terrestre,
o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva.
Há, portanto, artigos que dizem que as jazidas pertencem à União e o produto da lavra pertence à União, em consonância com a Constituição. Mas o artigo 26, que é fruto de um trabalho dos lobistas internacionais junto ao Congresso Nacional, diz que quem produzir o petróleo, agora, é o dono dele. Ou seja, os artigos 3º e 21º da Lei 9478/97 estão em contradição com o artigo 26º da mesma lei. Este também desrespeita a Constituição e nós tentamos anular este artigo junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Recebemos dois votos magistrais dos ministros Ayres de Brito, relator, e do ministro Marco Aurélio de Mello. Depois o mesmo lobby que atuou no Congresso atuou no Supremo e virou o voto de sete ministros, sendo que o ministro Joaquim Barbosa votou conosco. Nós temos gravados esses votos, que são uma vergonha. O ministro Sepúlveda Pertence disse que o legislador mudou de idéia e ele tinha que respeitar. O ministro não leu a nova lei. Se ele tivesse lido os artigos 3º, 4º e o 21, veria que o legislador não mudou de idéia, quem mudou a ideia do legislador foram os lobbies internacionais que atuavam no Congresso.
A propriedade do petróleo é fundamental para o Brasil, estrategicamente. Quem tem a propriedade tem o poder. Por exemplo, recentemente o Brasil e a Petrobrás negociaram com a China. Você me empresta US$ 10 bilhões e eu me comprometo a exportar 200 mil barris por dia, ao preço do mercado internacional, durante 10 anos.
O Brasil pode chegar para a Europa e dizer: eu exporto 500 mil barris por dia, durante 20 anos, mas você abaixa os seus subsídios agrícolas para viabilizar os meus agricultores e assim por diante. Como diria Churchill, “não há amizades entre os países, há interesses”. E interesses significam que quem tem petróleo tem poder de barganha e se a gente perde a propriedade perdemos esse poder. Nós defendemos a solidariedade entre os povos, mas esta é outra grande discussão. Mas o que é também grave é que esta Lei 9478/97 prevê uma participação especial do governo no produto da lavra. Enquanto o artigo 3º diz que o produto da lavra é da União, há outro artigo que diz que haveria um percentual a ser regulado por um decreto. E o Decreto 2705/98 fez uma regulação absurda, que isenta, dependendo da quantidade, 1.350 barris por trimestre, ou paga até no máximo 40% para o governo. Com 40% de participação especial, mais 5% royalties, nós temos 45% de participação do governo na produção.
A média dos países exportadores no mundo é de 84%. Os países da OPEP, que são os maiores exportadores, ficam com 90% do petróleo produzido. Estamos praticamente recebendo a metade e imagine isso no pré-sal. A Lei 9478/97 foi feita teoricamente para incentivar a vinda de empresas estrangeiras para investir em novas áreas, correndo riscos. E previu uma grande penca de atrativos. Porém, o pré-sal não é uma nova área. O pré-sal é uma reserva totalmente delimitada e descoberta, não tem mais riscos. Então, essa Lei não se aplica para o pré-sal. É essa a nossa luta. Queremos de volta a Lei 2004, que foi o fruto do maior movimento cívico da história do país e que durante 44 anos de sua vigência permitiu a autossuficiência e permitiu investimentos na descoberta do pré-sal. Não tem sentido agora entregar bilhetes premiados, como diz o Sérgio Gabrielli, para as empresas estrangeiras. Elas tiveram o domínio dessa região durante os 13 anos dos contratos de risco. E não investiram nada.
Artigo 21 Lei 9478/97 - Lei do Petróleo
Artigo 26 Lei 9478/97 - Lei do Petróleo
Todos os direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural em território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva, pertencem à União, cabendo sua administração à ANP.
“A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais correspondentes.”
Investimento duvidoso é comprar o bloco em área totalmente nova e furar. O presidente Lula retirou, muito corretamente, os 41 blocos que iriam para leilão quando o pré-sal foi descoberto. Está sofrendo pressão, criou um grupo interministerial para dar sugestões para o novo marco regulatório. Esse grupo não conseguiu dar sugestões, de vez em quando o Lobão solta um ensaio, a reação do lobby internacional vem forte. Ele falou que iria criar uma estatal para retomar a propriedade do petróleo para a União. Disse que iria recomprar as ações da Petrobrás vendidas no exterior com recursos oriundos do pré-sal. Só que uma semana depois ele teve que desmentir porque o lobby pressionou fortíssimo. Principalmente, se o governo recompra as ações da Petrobrás. Não restaria justificativa para trazer empresa de fora. A companhia tem tecnologia, os recursos para o pré-sal vem de uma fonte única, que é o sistema financeiro internacional. Quem tem petróleo tem crédito fácil e juros baratos.
Mesmo com a crise, o sistema financeiro vive de emprestar e o ativo mais forte para garantir um empréstimo é o petróleo. Se a Petrobrás é uma estatal, que tem tecnologia, que tem como obter os recursos, e é controlada pelo governo, qual a justificativa para trazer uma empresa estrangeira? Nenhuma. Porque limitação de equipamentos é para todos. Se tiver uma limitação de equipamentos, os fornecedores de equipamentos são as mesmas empresas que fornecem para todos os operadores. Neste caso são empresas fornecedoras de equipamentos para produção de petróleo e são contratados dos mesmos lugares. Qual seria a justificativa para se trazer uma empresa estrangeira? Nenhuma. A reação contra a recompra das ações fez com que em uma semana o ministro Lobão desmentisse essa hipótese.
O artigo 26 da Lei 9478/97, além de dar a propriedade a quem produzir, permite a empresa estrangeira exportar o petróleo produzido. Porque quem é dono pode fazer o que quiser. Esse artigo é inaceitável. O artigo 23 também, porque estabelece que os contratos de explotação são do tipo concessão, que dá a propriedade a quem produz.
Participação Especial Decreto 2705/98
III - Quando a lavra ocorrer em áreas de concessão situadas na plataforma continental em profundidade batimétrica acima de quatrocentos metros.
Obs.: No mundo, a participação dos países produtores é 84%, em média.
Volume de Produção Trimestral Fiscalizada (em milhares de metros cúbicos de petróleo equivalente) parcela a deduzir da Receita Líquida Trimestral (em reais) Alíquota (em %)
Até 1.350 Isento
Acima de 1.350 até 1.800 1.350xRLP÷VPF 10
Acima de 1.800 até 2.250 1.575xRLP÷VPF 20
Acima de 2.250 até 2.700 1.800xRLP÷VPF 30
Acima de 2.700 até 3.150 675÷0,35xRLP÷VPF 35
Acima de 3.150 2.081,25xRLP÷VPF 40
Artigo 60 Lei 9478/97 - Lei do Petróleo
“Qualquer empresa ou consórcio de empresas que atender ao disposto no art. 5º poderá receber autorização da ANP para exercer a atividade de importação e exportação de petróleo e seus derivados, de gás natural e condensado.
Parágrafo Único - O exercício da atividade referida no caput deste artigo observará as diretrizes do CNPE, em particular as relacionadas com o cumprimento das disposições do Art. 4º da Lei no 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, e obedecerá às demais normas legais e regulamentares pertinentes.”
A venda das ações da Petrobrás
Em julho de 2000 e em março de 2002 o governo brasileiro vendeu 36% das ações da Petrobrás que ele tinha na bolsa de Nova Iorque por um valor de menos de 10% do valor real. Hoje ele tem só 40% e aí se fala o seguinte: a Petrobrás não é mais uma empresa estatal porque 60% das ações estão em mãos privadas. Claro que isso não é uma condição ideal, mas 60% das ações estarem em mãos privadas não é um grande problema. Por quê? Porque a Petrobrás é obrigada a dar, pela Lei da Sociedade Anônima, 25% do seu lucro líquido para os acionistas. Ou seja, 25% de 60% dão 15%.
Então, os acionistas teriam 15% e o governo e a Petrobrás teriam 85% do lucro líquido
para fazer políticas sociais, para investir em geração de emprego, investir em cultura, em segurança, em meio ambiente. A Petrobrás investe mais em cultura no Brasil do que o próprio Ministério da Cultura. Com esses 85% é possível fazer políticas sociais.
Se for uma empresa estrangeira vai tudo embora, 85% iriam para fora. É um problema
crucial o fato de a Petrobrás ter 60% das ações em mãos privadas. Claro que nós defendemos a recompra das ações.
Mas, se o governo atender a nossa proposta de elevar a participação da União na produção para 90%, conforme os paises da OPEP, a situação fica ainda melhor: a Petrobrás ficaria com 10% do petróleo-lucro (petróleo depois de deduzidas as despesas com a produção), teria que dar 25% disto para os seus acionistas, ou seja, 2,5%. Assim, os 60% de acionistas privados ficariam com 60% de 2,5%, que é 1,5%. Restariam 98,5% para o povo brasileiro.
Valor estimado: R$ 8 bilhões.
Parcela do capital: 18%
Valor do patrimônio da Petrobrás:
Refino: US$ 15 bilhões
Transporte: US$ 6 bilhões
Produção: US$ 12 bilhões
Outros ativos: US$ 7 bilhões
Reservas de óleo e gás: US$ 510 bilhões
Total: US$ 550 bilhões
(18% de US$ 550 bilhões = US$ 99)
Exemplos de Defesa da Soberania
Os Estados Unidos vetaram a compra da Unocal, uma empresa americana que detém reservas de 1,5 bilhão de barris, pela China. Alegaram que a venda de uma empresa americana para os chineses diminuiria a produção doméstica. Está certo, é segurança nacional, é um bem profundamente estratégico. A Venezuela retomou o controle sobre o seu petróleo. A Bolívia também retomou. A Bolívia recebia 18% do gás que vendia para o Brasil, para a Repsol etc. e passou para 80%. Ficou todo mundo satisfeito e esta participação ainda esta abaixo da média mundial. Ninguém reclama da Bolívia, simplesmente foi um ato de soberania. Porque quando foi feito o gasoduto ela recebia 18%, a última riqueza que o país tinha estava sendo levada para o exterior.
As empresas que estão lá estão todas satisfeitas com 20%, pois a média mundial é 84%. Então, foi um ato de soberania.
Veto à compra da Unocal
“O Congresso americano vetou neste ano a compra da Unocal [companhia de petróleo com base na Califórnia] com argumentos de segurança nacional alegando que a aquisição de uma companhia americana pela China diminuiria a produção doméstica dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, China e Rússia ficaram mais firmes no propósito de diminuir a influência americana em áreas produtoras da Ásia Central e do mar Cáspio.”
(Michael T. Klare – Folha de São Paulo, 17-10-05)
Fernando Siqueira - Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras - AEPET